A seguinte postagem de hoje refere-se à entrevista concedida pelo professor de linguística Sírio Possenti, da Universidade Federal de Campinas - UNICAMP -, ao Programa televisivo Juca Entrevista, do jornalista de mesmo nome Juca Kfouri, acerca da importância na linguística nas interações humanas, traçando-se um o paralelo desde os primórdios de seu estudo até o seu desenvolvimento e aprofundamento como ciência no mundo contemporâneo.
Na primeira parte do bloco, o respectivo linguista inicia sua fala dando ênfase à visão libertária da própria linguística desde os primeiros estudos e pesquisas realizados pelos europeus, aproximadamente quinhentos anos atrás, ao estudo livre das línguas, ao seu modo natural e sem qualquer tipo de imposição de regras.
Ainda nesse aspecto, interessante relato se faz em relação ao trabalho dos jesuítas no Brasil que teve no Padre Anchieta o seu maior expoente, cuja importância e respaldo histórico-cultural foi o de elaborar, ainda que no início do século XVI, uma gramática própria do tupi-guarani, língua comumente usada e nativa dos povos indígenas à época e que portanto, parte do mesmo pressuposto do uso livre e libertário da língua, sem qualquer intervenção de regras, procedimentos ou padronizações gramático-linguísticas, tendo o próprio tupi-guarani como referência.
Neste contexto, Possenti, justifica e defende esse uso libertário da língua e consequentemente contrapõe-se ao seu uso regrado e padronizado em certas normas específicas e/ou pré-estabelecidas ao simples fato de devemos "consultar e estudar a língua de uma maneira mais clara e objetiva, sem nenhum critério de certo ou errado", afirmando-nos ainda que ao deparamos com determinadas sociedades hierarquizadas organizadamente, estas, de maneira errônea, impõe de uma forma mais grave a convicção de que os demais - boa parte da massa populacional -, e que por hora não sabem utilizar o recurso forma da língua, não sabem falar, sustentando equivocadamente o conceito de que somente e tão somente a linguagem escrita dotada e revestida de regras padronizadas é a que deve ser seguida e assimilada, não dando valor à oralidade ou outra forma de linguagem escrita que consequentemente "fuja" dessa padronização.
Do mesmo modo, é claro o posicionamento de que a língua é um dos instrumentos persuasivos de poder, devendo haver o respeito pelas pessoas que ao se expressarem tanto oralmente quanto gramaticalmente "pecam" ou "cometem falta grave" no que se referencia a não observância quanto a padronização da língua portuguesa, pois só assim, acredita o professor, "havendo esse cuidado e preocupação" se tornará mais fácil o entendimento e o ensino do português padrão para essas pessoas.
A segunda parte da entrevista pauta-se pelo tema da redundância presente na língua portuguesa, chegando-se ao entendimento de que tudo ou relativamente tudo é redundante e que é preciso exaltar que as palavras querem dizer muita coisa e às vezes, a mesma coisa tem muita palavra ou variados significados . Nesta óptica, conclui o linguista de que "a questão da redundância ou da clareza ou da equivalência exata entre as coisas e as palavras é um equívoco sobre o que as línguas são", ou seja, seu posicionamento acerca da redundância implica dizer que "supor de que cada palavra ou pedaço da língua designa um objeto específico tem nada a ver com o que as línguas realmente representam em seu conjunto linguístico".
Na terceira e última parte da entrevista, aparece a figura do revisor que nada mais representa, segundo o renomado professor, uma política editorial do que propriamente linguista. Vale dizer, historicamente a presença do revisor na língua portuguesa tem a ver com uma política das editoras, ela própria decide o que usar e publicar, à sua mera conveniência e oportunidade.
Ao olhar o que foi editado nos séculos XVI, XVII e XVIII, as cartas dos jesuítas, dos vices-reis constatar-se-á que a grafia não é a mesma, tendo em vista que a ortografia usada nos livros publicados naquela época não era da própria língua naquele dado tempo e sim da editora, mesmo caso ocorrendo com a história do texto escrito ou publicado no Brasil, antes do advento da legislação ortográfica do português, onde de fato tais textos não representavam substancialmente a essência da língua portuguesa à época.
O entendimento de que a ortografia usada nos livros publicados não representa genuinamente a língua falada e sim uma "linguagem editorial", pode-se dizer que a editora organiza, uniformiza e cria-se a figura do revisor junto com um sistema de notação para um melhora aparelhamento estrutural e estética do texto e não a preocupação de aplicar determinados atributos para deixá-lo mais claro e objetivo.
Por fim, Possenti assenta que "a escrita é uma coisa da política pública sobre um determinado lugar que ela circula" e que a ortografia não é a língua e sim objeto da lei, uma espécie de fotografia da língua sendo um aspecto importante para o conteúdo linguístico mas que não pode ser isoladamente considerada com um único atributo da língua.
A ideia de que se deve tratar o aluno mais como escritor, produtor e construtor de textos é de um todo mais acertada já que nessa condição ele certamente fará bons textos mas esteticamente terá problemas caso seja equiparado a um revisor da língua, voltado para o conteúdo estrutural e estético do texto.
Ao fazermos um comparativo do pensamento de Sírio Possenti com o que vimos em sala de aula podemos definir um importante ponto de que a língua representa o espelho do pensamento, é um instrumento voltado para a comunicação, a oralidade em si, revestida de interação entre os interlocutores (emissor e receptor) não devendo se restringir a um código padronizado de normas gramaticais e elegê-lo como se fosse o único mecanismo para se estudar e aprofundar o uso da linguagem na nossa sociedade.